segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ideologia para Althusser

"A ideologia, para ele [Althusser], deriva dos conceitos do inconsciente e da fase do espelho (de Freud e Lacan, respectivamente), e descreve as estruturas e sistemas que permitem um conceito significativo do eu. Estas estruturas, para Althusser, são tanto agentes de repressão quanto são inevitáveis - é impossível escapar das ideologias ou não ser-lhes subjugado.
A ideologia, para Althusser, é a relação imaginária, transformada em práticas, reproduzindo as relações de produção vigentes. Na realização ideológica, a interpelação, o reconhecimento, a sujeição e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), são quatro categorias básicas.
Em seu discurso sobre a Ideologia é patente sua preocupação em encontrar o lugar da submissão espontânea, o seu funcionamento e suas conseqüências para o movimento social. Para ele, a dominação burguesa só se estabiliza pela autonomia dos aparelhos (de produção e reprodução) isolados.
O mito do Estado, como entidade incorporada pelos cidadãos e como instituição acima da sociedade, aparece, também no estruturalismo marxista de Althusser sob a forma de "a instituição além das classes e soberana". Assim os Aparelhos Ideológicos do Estado são a espinha dorsal de sua teoria.
A teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado constrói uma visão monolítica e acabada de organização social, onde tudo é rigidamente organizado, planejado e definido pelo Estado, de tal sorte que não sobra mais nada para os cidadãos. Não há mais nenhuma alternativa a não ser a resignação ante o Estado onipresente e absolutamente dominante.
A visão extremamente simplista dos aparelhos ideológicos como meros agentes para garantir o desempenho do Estado e da ideologia atraiu para Althusser as freqüentes críticas de funcionalismo. Isto se deve ao fato de que ele não inclui nas suas preocupações questionamentos, sobre o surgimento desses aparelhos ideológicos e sobre sua lógica, conforme a época. Não há a noção de continuidade histórica e cada fase é uma fase em si, dentro da qual as diferentes instituições se articulam, sempre de forma relativa. Assim a igreja - ou a religião -, por exemplo, não é o resultado de uma sedimentação histórico-cultura de idéias e visões do mundo, trabalho de séculos dos organizadores da cultura; não, a igreja é a instituição e seu funcionamento só é captado dentro da lógica respectiva do momento analisado. A dimensão da "tradição de todas as gerações mortas que oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos" (Marx) desaparece."
(...)
A distinção entre ideologia e ciência, ou filosofia, não é assegurada em definitivo pela "ruptura epistemológica" [a propósito da divisão que o filósofo propõe na obra de Marx]: esta ruptura não é um evento determinado cronologicamente, mas sim um processo. Ao invés de uma vitória assegurada, tem-se uma luta contínua contra a ideologia: "A ideologia não tem história".

(...)
Existe um único Aparelho (repressivo) de Estado, enquanto que existe uma pluralidade de Aparelhos Ideológicos de Estado. Enquanto que o Aparelho (repressivo) de Estado pertence inteiramente ao domínio público, a maior parte dos Aparelhos Ideológicos de Estado remete ao domínio privado [AIEs religiosos (o sistema das diferentes Igrejas), escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e privadas), familiar, jurídico, político (o sistema político, os diferentes Partidos), sindical, cultural (Letras, Belas Artes, esportes, etc.), de informação (a imprensa, o rádio, a televisão, etc.)]. Tais instituições privadas podem ser consideradas Aparelhos Ideológicos de Estado, pois a distinção entre o público e o privado é intrínseca ao Direito burguês e o domínio do Estado lhe escapa, estando além do Direito. O Estado (da classe dominante) não é nem público e nem privado, sendo a condição de distinção entre estes dois últimos. Não importa se as instituições que compõem os Aparelhos Ideológicos de Estado são públicas ou privadas, o que importa é o seu funcionamento e instituições privadas podem funcionar perfeitamente como Aparelhos Ideológicos de Estado. Gramsci também chegou a essa conclusão.
(...)
O Aparelho Repressivo de Estado funciona predominantemente através da violência e secundariamente através da ideologia, enquanto que os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam predominantemente através da ideologia e secundariamente através da violência, seja ela atenuada, dissimulada ou simbólica. Os Aparelhos Ideológicos de Estado moldam por métodos próprios de sanções, exclusões e seleções não apenas seus funcionários, como também as suas ovelhas."





at: http://pt.wikipedia.org/wiki/Louis_Althusser#Pensamento (grifo, itálico e negrito no texto são nossos)













segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Tecnocentria 2

Voltemos ao tema do suposto tecnocentrismo atual. Aos exageros e mitos criados em torno dele. Com efeito vivemos, no quesito informação principalmente, uma espécie de "tecnoalfabetismo" ou "tecnoletramento" sem os quais julga-se não ser possível se conquistar a passagem para um "mundo de oportunidades". Entre esse novo aprendizado e a assimilação da antiga escrita tradicional, há diferenças fundamentais.
A primeira dessas diferenças é o fato de a capacidade de digitalização da informação não se transmitir a espectadores ociosos através de traços em paredes de cavernas. É necessário o aprendizado do domínio de um suporte que compreende capacidade de (re)produzir símbolos em velocidade compatível com a demanda por dinamismo dos dias de hoje. E a plena utilização desse aparato técnico ainda é atributo de usuários educados ou supraeducados em seu manuseio.
O segundo aspecto desse novo aprendizado cultural quando comparado à simbolização mais manual é a sutileza com que ele permeia as tribos ou mobs. Na escrita tradicional, as gerações são atavicamente sentenciadas umas às outras por fortes laços de domínio cultural ou político. Ilustra-se isso na monodigitação de poemas desenhados na areia de alguma praia pagã para fins de colonização linguística. Atualmente, o apelo mais puramente mercadológico reveste forma e conteúdo a serem transmitidos. Daí que material e ser, aparelho e usuário, consomem-se em uma espiral infinita de reificação cujas consequências notam-se em 'patologias' contemporâneas.
As compactações, portabilidades e acessabilidades mil da aclamada tecnocentria dos dias atuais fazem pouco mais que exacerbar um sistema de dominação antigo. Esse sistema já foi confundido com 'humanização das letras', quando se achava que a educação escrita tradicional veiculava tão somente valores clássicos. A nova roupagem tecnocêntrica desses valores parece ter se transformado no 'se vira nos trinta' e no fetichismo tecnológico do indivíduo contemporâneo.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Olha quem vem lá... de longe!

Nossa realidade está cada vez mais parecida com nossos sonhos. E não é devido a avatares e nem ao absurdo do cotidiano urbano. Nossas operacionalidades estão em crise. O lastro de lógica que pautava nossas vidas se desvanece juntamente com a demolição do império do capital. A nanoideologia das últimas novidades japonesas vai se calar brevemente ante a macro reestruturação de seus vizinhos asiáticos chineses. Não que para nós o sistema econômico chinês represente alguma revolução. Mas os paradigmas serão outros. A distância cultural, o desconhecimento, a apreensão por nossa parte da mercê chinesa já bastam para desestruturar nosso já combalido sistema. Novamente: não que o chinês represente alguma salvação. Mas o fato de se instalar em nossas vidas terá o impacto de orfandade e apadastramento abruptos ao quais nenhuma criança responde bem. Talvez uma grande tsunami vermelha afogue a pequena maré vermelha que vem cobrindo a nós brasileiros lentamente há cerca de uma década.
No mundo das linguagens, que é o nosso mundo real, o espírito de completude e feitura atravessam uma crise de proporção. A tecnologia veio nos dizer que o imediato e, seu primo, o inacabado, também apelidado de postergado ou 'feito para ser esquecido', são a regra. Taí a crise de proporção. Não sabemos onde colocar o diminuto de nossas produções. As artes zipadas uma dentro da outra formam estruturas inapreensíveis. Alguns chamaram isso de pós-modernismo. Mas enquanto o referencial capital nortear fortemente essas produções, não nos desvencilharemos da velha e saudosa crise da identidade moderna que o capital inaugurou e o modernismo consolidou. Apáticos a uma identidade firme, ainda boiamos entre esquizofrenias e mutações. Talvez o dragão chinês seja a renovação representativa de que carecemos em meio ao nosso eterno repetir de conhecidas figurinhas carimbadas. Por outro lado, talvez sejamos nós que o abocanhemos em nossa fagocitose mercantil. Mas uma coisa é certa: o aspecto da tradição chinesa que possa nos interessar não será algo que possamos apreender ou decalcar em uma instalação artística.

sábado, 16 de outubro de 2010

Nostradamus.... Nós travamos...

Querem providenciar um novo Nostradamus, alardeou-se na mídia outro dia. Se a sena acumula, crescem apostas como um enxame em torno de um invasor da colmeia. Fatos como esses atestam a sede por alguma notícia rápida do futuro, para saber se ele valerá a pena ou se trará algo que nos beneficie. Essa é a ansiedade que move certas pessoas, que as deslocam do real presente, que rompe de uma vez o já tênue laço que as unem ao que resta de tradição. Adeus rebeldes com e sem causas... Seus tempos de glória -ou não- parecem cada vez mais distantes. Olá novos yupies com e sem calças! Mais uma década de riscos os esperam.
O discurso da verdadeira vitoriosa de nossas últimas eleições presidenciais, Marina Silva, também clamava para o "futuro do Brasil". O brasileiro prestes a embarcar na nova versão do "Brasil do futuro" setentista precisa estar atento. Caso não se comande bem a proa, essa embarcação pode naufragar novamente e haja Tiririca depois para repaziguar os ânimos enquanto não se cai na real novamente. Olhemos para o futuro sim, mas não nos percamos no mar de possibilidades duvidosas que se abre para nós, quer em discursos de dentro ou de fora.
Vejamos o que nossa bola de cristal mais confiável - a arte- prenuncia. Mesmo com o brilho um pouco ofuscado pelo velado uso político que se tentou fazer dela recentemente, os últimos lançamentos parecem apontar para que "determinação" e "acuidade" dominem nossos julgamentos. Vide para isso as produções mais badaladas de nosso cinema recente ("É proibido fumar" e "Tropa de Elite 2". Esqueçamos um pouco o futuro e nos viremos um pouco para o esquecido presente, quem sabe assim não ganhemos tempo para nos reconciliar com o passado.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Origem d'As ideias fora do lugar'

(...)Em palavras de Sérgio Buarque de Holanda:"A presteza com que na antiga colônia chegara a difundir-se a pregação das ‘idéias novas’, e o fervor com que em muitos círculos elas foram abraçadas às vésperas da Independência, mostram de modo inequívoco, a possibilidade que tinham de atender a um desejo insofrido de mudar, à generalizada certeza de que o povo, afinal, se achava amadurecido para a mudança. Mas também é claro que a ordem social expressa por elas estava longe de encontrar aqui o seu equivalente exato, mormente fora dos meios citadinos. Outra era a articulação da sociedade, outros os critérios básicos de exploração econômica e da repartição de privilégios, de sorte que não podiam, essas idéias, ter o sentido que lhes era dado em parte da Europa ou da antiga América inglesa (...). O resultado é que as fórmulas e palavras são as mesmas, embora fossem diversos o conteúdo e o significado que aqui passavam a assumir".
(...)
citação de: Sérgio Buarque de Holanda, Do Império à República, t. 2, v. 5 da História geral da civilização brasileira, dirigida pelo mesmo Autor, São Paulo, Difel, 1977, p. 77-78

in: "Nacional por subtração", Roberto Schwarz (1986).

sábado, 25 de setembro de 2010

Às eleições

'"... a maioria dominante, conservadora ou liberal foi sempre alienada, antiprogressita, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence."
(José Honório Rodrigues in Conciliação e Reforma apud Leonardo Boff, "A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma" at http://www.brasildefato.com.br/node/1357)
(...)

Quando Lula afirmou que "a opinião pública somos nós", frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.' (Leonardo Boff, idem)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Turbilhão

A enxurrada lodaçenta leva
o gancho da razão e do sentido
e se espalha na baixada do tempo
arrastando raízes e umbigos


Ingenuidade de nossa alma lesa
não aguenta esse turbilhão de ânimos
viris, condicionados tão bem a
se esquecerem nesse mar monolítico


mar passa e deixa resíduos nesta
mão que não opera mais destinos
precipita como um sereno céu
invertido em nossa pouca vida


Crenças resfolegadas e emersas,
nossas carcaças encharcadas brilham
em meio a poeira calcária e sem vento
aguardando que alguma alma viva!

domingo, 5 de setembro de 2010

As coisas que se mexem em mim

As coisas que se mexem em mim
me levam pro passado
Pra quando mais poderiam me levar?
tão sem futuro, so unexpecteded...

As coisas que se mexem em mim
me jogam pra longe
Pra onde mais poderiam me jogar?
tão absorto, cataléptico...

As coisas que se mexem em mim
me dão algum eixo
Que mais poderiam fazer?
elas me põem em pé.

Quando essas coisas em mim
me tragam, me deixo.
É por elas que me faço sentido,
me deito e me levanto, asceta.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tecnocentria

Falácias em torno do endeusamento da tecnologia da informação incomodam. A última que ouvi foi "tecnocentrismo", referindo-se ao período atual, posterior ao teo- e antropocentrismo. São falácias porque as supostas proezas da tecnologia informativa, por exemplo, são mito. Elas são resultado de tendências comportamentais e sociais geradas dentro do sistema produtivo, do qual a tecnologia é apenas outra consequencia.
Como a mais simples das máquinas, todo instrumental tecnológico atual nos serve como o primeiro atrito de gravetos acendeu a primeira chama do escoteiro das cavernas. No entanto, nenhum byte ligado não significou tanto quanto a centelha do graveto significou para o desenvolvimento do homem. Isso porque as condições sob as quais o aparato informativo é gerado são as do capitalismo administrado, ou seja, as condições de pesquisa e conquista de lucro, mais-valias e vidas para além do que havia no capitalismo industrial dos séculos XVIII e XIX, embora nos demos conta.
Como todo mito, o tecnocentrismo resvala na arte. Versões sci-fi são produzidas e interpretadas à exaustão, contribuindo para (des)vendá-lo, dependendo da natureza da audiência e a ocasião em que são performatizadas. Séries filmográficas não por acaso americanas nos dão exemplos disso. Terminator (Exterminador do Futuro) iniciou-se com convincente perfuração temporal, atribuindo roupagem high tech à inimiga parafernália tecnológica do futuro. Pena que perdeu-se na temática ao longo das exibições até o último número 4. De Matrix a Avatar, transmigrações radicais de espaço-tempo dentro de um mesmo enredo refletem o virtualismo de comunidades de redes sociais internetizadas.
Com efeito, das falácias tecnocêntricas, a mais fantasiosa delas é a da aclamada integração nas redes 'socias' conectadas via internet. Nada mais desintegrante do que criar uma dessas comunidades de mil 'amigos', 'unidos' por interesse dos mais peculariares. Elas e seu conjunto numeroso e fractal refletem o espírito do homem de hoje, para o qual sinais mais superficiais se prestam ao papel identitário, que uma vez pertenceu às noções de etnia e nação.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Cinco ou seis

Cinco ou seis homens empurram um caminhão

As seis ou cinco mulheres que os geraram

não os queriam para empurrar o leve truck

naquela manhã fria


Cinco ou seis moleques e outro caminhão

mais pesado que eles no desfiladeiro

As cinco ou seis crianças deles esperam

seus caminhõezinhos


Cinco ou seis homens na proa do tempo

Cinco ou seis homens c’unhas de cimento

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Estertores

Estertores

Explore as paragens das coisas vãs
das facas trespassadas que não matam
das almas inocentes que se vão
das chagas sentenciosas que saram...

Perceba que a desditosa ronda
a paz convoluta do trabalhador,
e ao artista rende a serena revolta.
Mas que isto conforta todas as dores...

Escrever é cavoucar voz-imagem
de tempo e espaço irreconciliáveis.
É unir pólos iguais de mesmo ímã.

Junte vida e morte numa só viagem,
cunhe moeda de uma só face
a brilhar sob sóis e luas: minha sina!




segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A infiltração da ideologia

Há tanto ou mais ideologia no ato de acessar a rede mundial de computadores ou “curtir um iPod” quanto no ato de pegar em armas para lutar pelo que se acreditava há cinquenta anos. A aparente diferença no radicalismo nos gestos e atitudes que pautam essas diferentes formas de se expressar ideologicamente ao longo de meio século se explica menos pela mudança na cosmovisão veiculada por doutrinas do que por transformações na intensidade e no ritmo com que o sistema econômico vigente exerce domínio sobre nossas vidas.
Quando vivíamos atmosferas políticas de polaridades e posicionamentos mais claros há algumas décadas, havia sempre a figura do “outro” utópico ou inimigo pairando em nossos cotidianos e em nosso imaginário. Tanto na vida como na arte, havia tinta, espaço e tempo definidos para conceber heróis e vilões extremados e realidades que a visão científica eufórica da época permitia projetar. Essas definições começaram a se dissolver mais completamente no final dos anos 1980 como consequência da entrada em um estágio globalizante do capital administrado. Como verificamos essas transformações?
Primeiramente, pela observação de que hoje as grandes decisões e políticas se fazem por temas e não mais por regiões. Isso também se relaciona com: a aceleração nas transmigrações de culturas, que diminuíram a importância das circunscrições geográficas; com a expansão do acesso a bens materiais que, sendo bastante desigual no contexto da globalização econômica, propiciou maior reivindicação social por parte dos menos favorecidos economicamente; e com a reafirmação e as conquistas de identidades culturais, efeito da sinergia entre as duas situações anteriores.
Em segundo lugar, a abolição de todos os limites e fronteiras, das geográficas à moda das calças sem cós e cintura, significou também a troca de culturas e corpos por um espaço ao sol no mundo da inclusão global das novidades tecnológicas dos prefixos vocalizados da informática (@, e-, i etc). Isso transportou parte da batalha ideológica contemporânea para os restritos ambientes dos que têm acesso à nova tecnologia da informação. A nova guerra ideológica, nano ou virtual, iniciou-se quando espertamente o capitalismo engendrou os mesmos mecanismos reivindicatórios dos excluídos para embandeirar o acesso aos novos bens gerados dentro de seu sistema. Dentre esses bens, o próprio o corpo humano ou partes dele. Ou seja, com as novas tecnologias, foram se forjando novas necessidades e fetiches sem os quais o indivíduo se cria alienado da vida globalizada.
Finalmente, o fato de as identidades culturais se mostrarem hoje tão à baila, reificadas ou não, não diminuiu a intolerância ou o preconceito. Apenas os tornou “não politicamente corretos”. No entanto, a “institucionalização” da discriminação continua patente no acesso restringido à educação e tecnologia da informação, por exemplo. E a atual confusão e sobreposição de antigas dicotomias como liberal/conservador, direita/esquerda, reacionário/revolucionário, bem/mal, se devem a essa imersão e diluição da ideologia nas coisas e no cotidiano do capital informatizado. Elas provocaram o rompimento de barreiras e hierarquias. Mas transformaram o ser em uma porção digitalizada amorfa que somente se recompõe nos restritos ambientes virtuais.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Os sucessos da inclusão "capital"

Os sucessos da inclusão "capital"

Vem da década de 1960, de críticos lúcidos do processo capitalista de exclusão social, como Sartre e Fanon, por exemplo, a questão da “inclusão social sem inclusão cultural”, hoje muito rediscutida. Ocorre que ambas “inclusões” são atualmente a mesma coisa lastreada pelo capital e mediada por novos e abundantes recursos materiais e tecnológicos.
Todas as áreas e lugares da vida, das reivindicações sociais das minorias mais apagadas do cenário social à Ecologia, têm seu quinhão a cobrar do meio produtivo-tecnológico contemporâneo: é o resultado da explosão de bens gerados nesse sistema, o que desbastou a burguesia de seus privilégios tradicionais e espalhou para as camadas sociais concêntricas formas novas de usufruto. Assim, exigências supérfluas e luxuosas confundem-se com demandas vitais a ponto de tornar um dispositivo pessoal capaz de armazenar mais canções do que é possível se ouvir na existência de um indivíduo tão ou mais necessário do que um marcapasso ou um sensor preciso que alerte para tsunamis ou terremotos iminentes.
Do ponto de vista predominantemente cultural, a objetivação material transferida à figura humana reflete-se no exacerbado culto à celebridade. Padrões de comportamento associados à crescente reificação do espírito são periodicamente moldados em velocidade vertiginosa e de maneira mais variada que em séculos anteriores. O conflito de gerações, uma vez entendida como a “subversão de costumes”, fornece hoje diferentes painéis, em que progenitores confrontam valores burgueses tradicionais a serem transferidos (família, honestidade fiduciária etc.) com modelos globalizados de conduta. Por outro lado, os filhos de hoje têm formação ambígua. Uma parte é globalizante e detentora de uma compreensão mais ampla devido à abundância de oferta de informação. A outra parte é extremamente individualista, convertida em bem de troca por capital na forma da reivindicação de “inclusão social”, embandeirada em diversas identidades.
Com efeito, os indivíduos hoje são mais que o funcionário de identidade apagada que trabalha maquinalmente. Eles são também as próprias peças motoras e, como tais, marcadas ou identificadas para que a grande engrenagem do capital funcione. A natureza de engrenagem faz que umas peças se subordinem a outras. As múltiplas espirais de reivindicação identitária que emanam do indivíduo contemporâneo reproduzem essa configuração de engrenagem, em que uma “peça” ou indivíduo reflete ou almeja a identidade de “peças” ou indivíduos que lhe são superiores.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Doze lições sobre o que é amar

Doze lições de quando amar é o que





I
Quando ansiar pelo que é amar,
narina abrir-se ao ar que
planta crescer ao sol que
peixe saltar n’água que
escassam
II
Quando sentir o que é amar,
gelar ventre que
palpitar seio que
tremer perna que
não se contêm
III
Quando tocar o que é amar,
morder leve a boca que
sorver doce a língua que
suar quente a pele que
são uma só
IV
Quando possuir o que amar
um cão fiel que
um anjo bom que
mão ao bolso que
guarda
V
Quando delirar de amar,
percorrer caminhos que
revolverem chãos que
caírem céus, luas que
se dissolvem
VI
Quando viver o que é amar,
aço erguer o que
flash flagrar o que
tatoo marcar o que
eterniza
VII
Quando saturar de amar
colorirem bolhas que
pulsarem estrelas que
romperem zíperes que
estouram
VIII
Quando acabar de amar
flor sem talo que
voz sem tom que
casa de barro que
extingue
IX
Quando perder o que amar
sumir uma peça que
eliminar membro que
partir uma vida que
faz falta
X
Quando sofrer por amar
apoiar em ombro que
rolar lágrima que
sair pra festa que
consola
XI
Quando enfim for isto que
faz dobrar sentidos que
subverte juízos que
traduz um pouco do que
é amar,
XII

É a hora em que,

surge um que
vem outro que
-sincero-
breve e alto
diz que
ecoa
“eu te amo!”

Narre aqui também seu primeiro porre...