sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

De quando não se tem nada a dizer de novo

Faz de conta que estou escrevendo uma carta. "Por aqui anda tudo bem, sem novidades...." Mentira!Tudo bem uma ova justamente porque não há novidades. É este vício moderno da novidade, do produto novo, do lançamento, do original sempre, do inédito, que nos enterra e ameaça de morte a carta. Porque blog não tem nada a ver com carta no sentido que ele deve ser um grande diário de novidades. A maioria das cartas só cumpria o papel de unir informação comum do dia-a-dia das pessoas separadas no tempo e no espaço. A ânsia pelo novo, pelo original é o atestado de nossa incompletude como seres humanos, que deveriam estar interligados por firmes laços de tradição e espírito de grupo. O sucesso é a mais bela e pomposa tradução do egoísmo humano.
A religião deveria dar conta deste problema. Mas como, se o ideal da "re-ligação" [religião vem do latim religare] parece também convertido quando muitos dos ídolos religiosos têm a função espiritual de ascenção em terra, para satisfazer necessidades particulares, e não de redenção, ou exemplo? Os mitos e ídolos religiosos são convertidos em instrumentos espirituais do sucesso, que se confunde com sobrevivência no imaginário desesperado do crente. Depois de saltarmos mecanicamente para o campo da fé, o que para mim está soando esquisitíssimo neste momento, porque não costumo abordar este tema difícil, continuemos a idéia da carta, que levou à da novidade.
A necessidade de termos que dizer sempre algo novo implica odiarmos a noção de cotidiano, do repetitivo, do ritual, por exemplo nosso trabalho ou ganha-pão diários. O trabalho é anti-novidade, anti-sucesso. No entanto, é só a partir dele que podemos obter o sucesso, do jeito que o imaginamos como fundamental para a vida. Ocorre que sucesso e originalidade não são fundamentais na vida e o trabalho rotineiro, ritualístico e metódico é apenas condição sine qua non da existência do homem em grupo. O momento em que a noção de sucesso surgiu e dominou nossas mentes e até corrompeu a noção nobre da religião não saberemos precisar. Certamente relaciona-se com o fato de um indivíduo ou grupo começar a se beneficiar sozinho do trabalho do grupo e aí isto deve-se perder de vista na história.
Mas é no lixo do suplérfluo que as novidades e os sucessos produzem é que encontramos o arquétipo do verdadeiro trabalho humano. Está lá, impresso de alguma forma. No avesso, no viés, mas está lá. É só não prestigiar a obra como sucesso, distanciar-se dela e ao mesmo tempo a ter como produto de um coletivo de que fazemos parte. Assim, decerto que desaparecerá para nós a rastro da experiência da usura e surgirá a essência humana do negócio, assim como o do remetente singelo de uma carta para seu interlocutor, narrando-lhe as parcas novas de seu dia-a-dia.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

De quando não se tem nada a dizer

Então vamos cá mais uma vez? Para o bass fond das letrinhas voadoras que carregam nossas ideias miúdas. Vamos, pra desvendar o que penso, se por acaso me lerem. E se ninguém ler também está bom. É só mastigação mental necessária para reaquecer os ânimos e continuar a vidinha. No entanto, um texto é pra ser lido... Um discurso (no seu sentido mais amplo, de um "psiu" a uma palestra) é pra ser recebido. Quando ele não chega onde tem que chegar por qualquer motivo, mesmo assim ele não é um discurso natimorto, não é uma palavra disperdiçada. Se torna comunicação latente, pulsante, pronta para ser lançada. O importante é emitir. Freud já nos mostrou: falar é o grande remédio.
Mas por que esse meta-papo chato? Para mostrar como o desnorteamento de nosso mundo e nossa descrença nas instituições e nas pessoas nos levam a querer pesquisar alguma identidade na natureza de nossa própria expressão, nas palavras, nos gestos, nas posturas, nas fotos em revistas, no orkut etc. A crítica da realidade em múltiplas camadas e ângulos realizada por nossos discursos, nas ciências e nas artes, configura o que alguns estudiosos resolveram chamar 'pós-modernidade'. Mas a tentativa de realocação de um centro para nossa identidade vem ocorrendo a pelo menos meio milênio, depois que perdemos de vez as referências exotéricas que guiavam as vidas de nossas instituições. Não que era época melhor ou pior que agora, mas lá havia projetos que resultaram em produtos históricos consistentes.
Este mundo dos discursos descentralizados nos entorpece. Vagamos em busca de satisfações forjadas para que consumemos mais e mais simulacros de verdades. É preciso mais estômago. Mas igualmente são necessários mais ouvidos e mais bocas bem abertos para que a maré desses discursos pós-modernos não nos engula e possamos sair dela, náufragos das verdades errantes, porém agarrados àquela uma, a qual acreditarmos ser a verdade, mesmo achando estar ela em um pequeno texto.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Penso, logo registro

Foi a sacação de que o mundo da expressão passa pela chamada crise de autoria que me impulsionou a querer escrever aqui. Hoje em dia, qualquer pessoa com um celular na mão pode criar e expor para o mundo sua criação em texto ou imagem. É evidente que não se trata da democratização dos meios de comunicação como alardeiam alguns. Um celular ainda custa caro para muitos. É mais um item de fetiche mercadológico e, por isso, um instrumento de separação social. No entanto, dispositivos de comunicação e de reprodução da comunicação estão ficando cada vez mais populares, alargando para cada vez mais pessoas as possibilidades de produções de comunicação rápidas e abrangentes.
Este blog é só mais um dos milhares que se atiram como produtos de expressão do individualismo moderno. Nossas visões de mundo tornaram-se produtos. E não basta comprar, é preciso zapear ou navegar porque é na variedade que, primeiro, se tem a atenção prendida e, em seguida, o ato da escolha da audiência. Por enquanto, o estágio intermediário da veiculação virtual está jogando as cartas e lucra. Outro estágio intermediário da comunicação, outrora poderoso, o do suporte físico da mensagem, padece. O termo "pirataria" não faz outra coisa que denunciar o valor mercadológico das peças copiadas.
Mas quem passará a lucrar agora que o próprio suporte físico da criação estão derretendo juntamente com a identificação da sua autoria? Como dissemos, por enquanto são os donos da rede. E o longínquo e esquecido autor...? Os antigos filósofos e aedos gregos até ganhavam seus tostões pelos seus discursos mas não havia mecenas ou produtor que lucrassem com a criação alheia. A obra moderna passou a ter a autoria reconhecida no "direito autoral", verdadeira semi-proletarização do trabalho do autor, que hoje pode estar prestes a se libertar através da obra "sem autor",ao contrário do que podemos pensar. A obra, por sua vez, também está livre para surgir apenas de mãos que realmente têm prazer de criar, sem vistas ao mercado.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Nosso primeiro porre

Primeira transa nada. É o primeiro porre a coisa mais importante na vida de qualquer adulto que se preze. A epifania de uma vida pode estar embutida no primeiro porre. Ele é determinante. É depois do primeiro porre que tomamos rumo. Ou não tomamos, o que também é válido. Atenção conservadores de plantão, isto não é incitamento ao vício. Refiro-me ao que podemos chamar de "porre lúcido", aquele que vem antes ou pode se tornar o "porre pé-na-jaca". Esse último quase sempre não é recordável e dá trabalho para os outros. Para não se tornar um explorador do saco alheio, fique apenas no porre lúcido.
É só depois do primeiro porre que os senhores podem dizer que são adultos. Ele é o primeiro desgarramento de seus pezinhos da atmosfera do politicamente correto, o primeiro momento em que viram a vida pelo viés da desmesura pra valer. O primeiro porre é a primeira infração aos atos e fatos das coisas bem arrumadinhas. Por isso ele é revelador e desmascarador. Porque é na escuridão das coisas bem arrumadinhas que se formam as teias que nos envolvem e nos paralisam lentamente, as teias da perda da inocência... E o "insight porrífico" nos deixa ver e nos indignar contra isso. É a primeira tentativa de anular planos que pareceram traçados para nós à nossa revelia.
O primeiro pilequinho é a reposição dos nossos cacos depois da passagem dolorosa para a nossa vida adulto-burguesa. Um brinde para o primeiro porre amigão de nossas vidas. Para o porre que nos guiou pela linha dançante da sargeta, para o que puxou outros porres e para aquele que serviu para que nunca mais bebêssemos. Enfim, celebremos aquele primeiro porre que nos disse e nos diz até hoje que essa vida definitivamente não é um porre.

Narre aqui também seu primeiro porre...