segunda-feira, 12 de novembro de 2012

"Chegada" (poema de Elizandra Souza)

CHEGADA

(do livro Águas na Cabaça, 2012)


Se tu viesses me ver nessa noite
Encontraria na porta, um sorriso encanto
Um abraço envolvente como manto
Remédio que afugenta o açoite

Se tu viesses em passos lentos
Entalhando meu rosto em um camafeu
Ouviria todos os conselhos dos ventos
Vagalumeando ou brincando com o breu

Se tu viesses do horizonte belo
Galopando e seguindo o curso do rio
Pontilhando nas estrelas nosso elo
Escutaria o caminho que tanto te assobio





sábado, 2 de junho de 2012

Acordei pensando

Acordei pensando em você
As noites são frias
Os dias são longos
porque não tenho você
pra me aquecer
pra acender
a chama que uma vez
mantive ao seu lado
pra me dar a calma
que me fazia controlado
em paz comigo mesmo

Acordei pensando em você
Os sonhos são poucos
As madrugadas são loucas
porque não tenho você
pra me desdizer
pra me socorrer
não tem jeito tô louco
porque não tenho mais você
pra me fazer
seguir o mapa
que me leva a você


Acordei pensando em você
sentimentos do mundo
dores profundas
pesam em minha cabeça
porque não tenho mais você
minha linha do tempo
minha rede veloz
(o que foi de nós?)
não lembro seu rosto
tô perdendo você
um toque um chat um tweet
mas que venha de você

pra me animar
pra me inspirar
esse canto mais igual
que todos que já fiz
pensando em você









quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Descascar laranja

Descascar laranja
colima escrever
desentalá-la do chão
examinar-lhe as manchas
iluminá-la nas mãos

Descascar a laranja
concorre com escrever
rodear-lhe os cantos
dar-lhes caminhos de pião
tirar-lhe a pele: um balão

Descascar laranja
mereja escrever
borrifagens de Musas
estalidos sumarentos
de cantares gotejados

Descascar laranja
alimenta o escrever
alastra suculências
volatiliza essências
de bagaços um dia flor

Descascar laranja
ensaia o escrever
embala conversas
após refeições

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Dois filmes de plástico

Depois que aprendemos a driblar com os dedos da mão e separar os dois filmes de plástico que formam as sacolinhas, querem as tirar de nós. Filmes de cinema não são feitos de plástico. Um deles é de  pouco antes do aparecimento das sacolinhas. É The Graduate (1967). A cena final traz a risada em still do personagem Ben (Dustin Hoffman) ao lado da noiva recém fugida com ele. Devemos continuar visualisando na vida real o que é mostrado nessa cena: a interação estranha do casal contemporâneo. A risada de Ben é a que o futuro bem sucedido no ramo do plástico pode proporcionar a ele. Material  que parece compor a feição plastificada da noiva (Katharine Ross).
Trinta anos após esse filme, outro casal de jovens contempla uma cena numa passagem lírica do épico burguês American Beauty (1998). É o famoso trecho da sacolinha voadora: 



Obviamente, não há no vídeo antevisão artística do pretenso fim das sacolinhas. Qualquer objeto imerso na atmosfera despojada de humanidade criaria o mesmo efeito. Na literatura, a descrição de migalhas de pão sobre a mesa  em Madame Bovary aproxima a solidão da heroína ao isolamento de objetos na entediosa cozinha. Humor e cenário catalisam-se mutuamente. Também a contemplação desse filme dentro do filme nos mostra a crise dos seres da "desfamília" moderna. Seres estanques como mercadorias embutidas em gôndola de  supermercado, agora ao menos livres do duplo filme plástico que os envolvia.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Mar e terra

Mar e terra




Mar existe pra' mostrar

que as gentes são pequenas.

Mar na serra é sereno,

desaba sobre as folhas,

chove e encharca tijolos,

lava e leva calçadas.

Mar e terra dividem

praias bárbaras de helenos

e as de Robinson Crusoe.

Morros desdentados,

águas inquietas:

funde(a)m e afunda(e)m tudo!

Narre aqui também seu primeiro porre...