sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O violão na passarela

Não era passarela de moda
era passarela da roda
da roda viva que pega
na hora cinza que leva.

Os carros passavam sem olhar
os pedestres sem ouvir
ao violão no alto da passarela,
ao cantador da serenata sem janela.

(Di)versifica a trova poeta-dor
dedilha acordes sonhador
na maromba robusta da roda
no meio-aço da vida que não é nossa!

Tudo isso para carros que não chocam
para gentes que não choram
nos s(c)em-sentidos das rotas,
furores da roda.

Sim, vai entreter alguém
vai sem ver ninguém
sem espiroquetar na roda
vai chamar a todos, esse poeta,
a desviar daquela seta.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Verde morto

verde morto ceifado à terra
com lanças gigantes do céu
verde que os olhos apercebiam
é colhido em mãos arredias
verde arado e verde nódua
no cheiro que impinge afora
vai vicejar claro e sem dono
verde morto a vingar outonos
sem o mármore e sem o fogo
sem o nome e sem o novo
vai verter vida aqui na pena
vai sangrar em paz na semente







domingo, 1 de maio de 2011

A imanência do conhecimento 1

Estamos imanando conhecimento. Imanar, contrário de transcender. Não que estejamos a ficar mais inteligentes, ô pá. Conhecimento era magia e chamariz para o poder. Ainda é. Só que agora ele é imanente. Saindo de casa outro dia para trabalhar, chuva pronta para despencar, deparei-me com um livro didático, desses que o governo fornece aos rolos hoje em dia para a moçada do ensino médio. Apanhei o livro abandonado à intempérie, prestes a ser levado pela enxurrada do pé de morro onde moro. Sejamos um reclamão saudosista mais uma vez: meu pai suava a camisa para comprar um livro desses, que hoje em dia é desprezado ao léu. O conhecimento refratário dos jovens atuais é um sintoma da imanência do conhecimento.




As verdades tradicionais no mundo contemporâneo estão ressabiadas... Ditaduras seculares em check. O mundo virtual de bonequinhos tridimensionais cintila em clicks e touches sob nossos narizes, substituindo nossas interações ao vivo. As leituras do mundo horizontalizam-se na rede mundial de informação. Não que a verticalização dos ditames que respeitávamos a vinte, trinta anos atrás fosse flor que se cheirasse. Mas hoje em dia o que é o conhecimento de um professor diante do Google®, na interpretação dessa moçada? A resposta: o conhecimento do professor também está imanado e, por isso, cego, surdo e mudo, como provavelmente a do professor-autor do livro que salvei da enxurrada naquele dia.

A imanência do conhecimento 2

A imanência do conhecimento é fruto dos rumos que tomaram as verdades e as identidades no mundo contemporâneo. As verdades relativizaram-se concomitantemente à expansão das identidades. Essa tendência está refletida na violência de todo tipo em nossas escolas e na quebra de protocolos milenares em cerimônias matrimoniais entre classes, castas e reinos afora. Hoje em dia uma verdade não basta. Soa retrógado aquele que nem sequer está a par de outras verdades além da sua. Faz parte do conhecimento imanente estar ciente do conhecimento imanente do lado, sem no entanto ter que acatá-lo. É o império das certezas que se amontoam.




Além da pulverização das verdades, outra consequência do fenômeno da imanência do conhecimento nos dias de hoje é o panfletismo das identidades infladas. O que era reivindicação, lutas e mortes no passado, hoje é desrecalque salutar e lógico. A luta foi empurrada para o plano político das competências, já que os direitos democráticos difundiram-se nas leis do papel e na ascensão de representantes de grupos minoritários.



A verdade imanente de cada um de nós também abalou as circunscrições de conceitos, definições e gêneros. Verificamos isso na inversão das regras do bem e mal que a política e a arte caseira exibem cotidianamente. A erosão das disciplinas é outro resultado do nivelamento das verdades. Profissões antes valorizadas pelo empenho hercúleo do estudo são ridicularizadas diante das possibilidades de sobrevivência e satisfação com o corpo e com objetos fetichizados. Por mais sofisticados que pareçam, esses objetos são convertidos em manufaturas simples ao alcance de nossos comandos remotos. Multiplicam-se em P.G. para além de nossas capacidades de apreensão que panguam em P.A. e obliteram nossa percepção crítica.



A crise dos gêneros em todos os setores é mais uma consequência da compartimentalização do conhecimento. Fixar pontos em comum que garantam a universalização de um conjunto de elementos para formar um gênero está cada vez mais difícil, já que o que era universal passou a ser particular. Quais são os critérios de masculinidade e feminilidade hoje em dia? O que é um 'forró universitário'? Popular ou cult? O que distiguirá prosa de poesia? São todas essas distinções relevantes? Ou mesmo existentes? O que é moderno, tradicional? Será isto a pós-modernidade?







sexta-feira, 11 de março de 2011

"Ethos entrou no vocabulário do teatro com o sentido de personagem. Mascarados, os atores fazem-se personagens. Máscara é morada. Também morada o rosto que a reveste. Se derivarmos anthropos (homem) de anti (diante de) e ops, rosto, o próprio homem se apresenta como alguém que anda de rosto velado. A cadeia de máscaras não termina. O que se esconde atrás da última máscara?"
(SCHÜLER, Donald. Heráclito e seu (dis)curso. Porto Alegre: L&M, 2001, p.179)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Andam nos 'googlando': e daí!?

Que o mercado tem estratégias que, em última instância, almejam nosso bolso e nos assalta, não é surpresa. Mais sutil, porém, é isso realizar-se sob a égide de atividades tidas inocentemente como "culturais", como o letramento e a literatura. Aventurar-se no grafismo e se dar à leitura das primeiras letras impressas, em quaisquer ambientes, significam adentrar um mundo seleto. Quer seja ele xamânico ou científico. E quando esse filtro por que passamos é redimensionado para o mundo da informação contemporâneo, defrontamo-nos com mais barreiras. As principais delas são a  hierarquização e a segregação realizadas no campo material de nossos aparatos digitais e também a incapacidade, muitas vezes, de adquirir esses bens digitais.
Além disso, algumas interpretações são mal concebidas. Uma delas é atribuir a uma só empresa a responsabilidade pelas mazelas do parco humanismo presente no conteúdo da rede de informação digital. Culpar google.coms de espionar nossos gostos tem a mesma inocuidade de se apontar a indústria fonográfica como modeladora de nosso gosto musical médio. Ambas as acusações são meras constatações da existência de um poder que não tem nada de paralelo, posto que está no cerne da produção cultural moderna.
Assim, por um lado, a informação, da maneira com que é, e por quem é usada no mundo atual, dá o diploma à identidade moderna de uma classe egocentrada e alienada. Quando enfiamos as fuças em um pequeno aparelho que nem sabemos nomear ainda de tão incerta sua utilidade (já foi uma vez telefone) e nos entret(v)emos horas a fio em seus "admiráveis mundos novos", produzimos em nós o mesmo efeito de quando esquecemo-nos ao volante de um carro, distraídos a ponto de fazermos coisas como se estivêssemos na sala de nossa casa.  Por outro lado, as estratégias de mercado de que esse mesmo mundo digital lança mão para submeter o usuário de hoje são velhos e conhecidos "aparatos". Eles rendem nossa atenção e a recrutam para um campo de concentração imaginário, povoado de mais reflexos de nós mesmos, fragmentos autistas da despedaçada individualidade moderna.






Narre aqui também seu primeiro porre...