domingo, 1 de maio de 2011

A imanência do conhecimento 1

Estamos imanando conhecimento. Imanar, contrário de transcender. Não que estejamos a ficar mais inteligentes, ô pá. Conhecimento era magia e chamariz para o poder. Ainda é. Só que agora ele é imanente. Saindo de casa outro dia para trabalhar, chuva pronta para despencar, deparei-me com um livro didático, desses que o governo fornece aos rolos hoje em dia para a moçada do ensino médio. Apanhei o livro abandonado à intempérie, prestes a ser levado pela enxurrada do pé de morro onde moro. Sejamos um reclamão saudosista mais uma vez: meu pai suava a camisa para comprar um livro desses, que hoje em dia é desprezado ao léu. O conhecimento refratário dos jovens atuais é um sintoma da imanência do conhecimento.




As verdades tradicionais no mundo contemporâneo estão ressabiadas... Ditaduras seculares em check. O mundo virtual de bonequinhos tridimensionais cintila em clicks e touches sob nossos narizes, substituindo nossas interações ao vivo. As leituras do mundo horizontalizam-se na rede mundial de informação. Não que a verticalização dos ditames que respeitávamos a vinte, trinta anos atrás fosse flor que se cheirasse. Mas hoje em dia o que é o conhecimento de um professor diante do Google®, na interpretação dessa moçada? A resposta: o conhecimento do professor também está imanado e, por isso, cego, surdo e mudo, como provavelmente a do professor-autor do livro que salvei da enxurrada naquele dia.

A imanência do conhecimento 2

A imanência do conhecimento é fruto dos rumos que tomaram as verdades e as identidades no mundo contemporâneo. As verdades relativizaram-se concomitantemente à expansão das identidades. Essa tendência está refletida na violência de todo tipo em nossas escolas e na quebra de protocolos milenares em cerimônias matrimoniais entre classes, castas e reinos afora. Hoje em dia uma verdade não basta. Soa retrógado aquele que nem sequer está a par de outras verdades além da sua. Faz parte do conhecimento imanente estar ciente do conhecimento imanente do lado, sem no entanto ter que acatá-lo. É o império das certezas que se amontoam.




Além da pulverização das verdades, outra consequência do fenômeno da imanência do conhecimento nos dias de hoje é o panfletismo das identidades infladas. O que era reivindicação, lutas e mortes no passado, hoje é desrecalque salutar e lógico. A luta foi empurrada para o plano político das competências, já que os direitos democráticos difundiram-se nas leis do papel e na ascensão de representantes de grupos minoritários.



A verdade imanente de cada um de nós também abalou as circunscrições de conceitos, definições e gêneros. Verificamos isso na inversão das regras do bem e mal que a política e a arte caseira exibem cotidianamente. A erosão das disciplinas é outro resultado do nivelamento das verdades. Profissões antes valorizadas pelo empenho hercúleo do estudo são ridicularizadas diante das possibilidades de sobrevivência e satisfação com o corpo e com objetos fetichizados. Por mais sofisticados que pareçam, esses objetos são convertidos em manufaturas simples ao alcance de nossos comandos remotos. Multiplicam-se em P.G. para além de nossas capacidades de apreensão que panguam em P.A. e obliteram nossa percepção crítica.



A crise dos gêneros em todos os setores é mais uma consequência da compartimentalização do conhecimento. Fixar pontos em comum que garantam a universalização de um conjunto de elementos para formar um gênero está cada vez mais difícil, já que o que era universal passou a ser particular. Quais são os critérios de masculinidade e feminilidade hoje em dia? O que é um 'forró universitário'? Popular ou cult? O que distiguirá prosa de poesia? São todas essas distinções relevantes? Ou mesmo existentes? O que é moderno, tradicional? Será isto a pós-modernidade?







Narre aqui também seu primeiro porre...