segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Estertores

Estertores

Explore as paragens das coisas vãs
das facas trespassadas que não matam
das almas inocentes que se vão
das chagas sentenciosas que saram...

Perceba que a desditosa ronda
a paz convoluta do trabalhador,
e ao artista rende a serena revolta.
Mas que isto conforta todas as dores...

Escrever é cavoucar voz-imagem
de tempo e espaço irreconciliáveis.
É unir pólos iguais de mesmo ímã.

Junte vida e morte numa só viagem,
cunhe moeda de uma só face
a brilhar sob sóis e luas: minha sina!




segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A infiltração da ideologia

Há tanto ou mais ideologia no ato de acessar a rede mundial de computadores ou “curtir um iPod” quanto no ato de pegar em armas para lutar pelo que se acreditava há cinquenta anos. A aparente diferença no radicalismo nos gestos e atitudes que pautam essas diferentes formas de se expressar ideologicamente ao longo de meio século se explica menos pela mudança na cosmovisão veiculada por doutrinas do que por transformações na intensidade e no ritmo com que o sistema econômico vigente exerce domínio sobre nossas vidas.
Quando vivíamos atmosferas políticas de polaridades e posicionamentos mais claros há algumas décadas, havia sempre a figura do “outro” utópico ou inimigo pairando em nossos cotidianos e em nosso imaginário. Tanto na vida como na arte, havia tinta, espaço e tempo definidos para conceber heróis e vilões extremados e realidades que a visão científica eufórica da época permitia projetar. Essas definições começaram a se dissolver mais completamente no final dos anos 1980 como consequência da entrada em um estágio globalizante do capital administrado. Como verificamos essas transformações?
Primeiramente, pela observação de que hoje as grandes decisões e políticas se fazem por temas e não mais por regiões. Isso também se relaciona com: a aceleração nas transmigrações de culturas, que diminuíram a importância das circunscrições geográficas; com a expansão do acesso a bens materiais que, sendo bastante desigual no contexto da globalização econômica, propiciou maior reivindicação social por parte dos menos favorecidos economicamente; e com a reafirmação e as conquistas de identidades culturais, efeito da sinergia entre as duas situações anteriores.
Em segundo lugar, a abolição de todos os limites e fronteiras, das geográficas à moda das calças sem cós e cintura, significou também a troca de culturas e corpos por um espaço ao sol no mundo da inclusão global das novidades tecnológicas dos prefixos vocalizados da informática (@, e-, i etc). Isso transportou parte da batalha ideológica contemporânea para os restritos ambientes dos que têm acesso à nova tecnologia da informação. A nova guerra ideológica, nano ou virtual, iniciou-se quando espertamente o capitalismo engendrou os mesmos mecanismos reivindicatórios dos excluídos para embandeirar o acesso aos novos bens gerados dentro de seu sistema. Dentre esses bens, o próprio o corpo humano ou partes dele. Ou seja, com as novas tecnologias, foram se forjando novas necessidades e fetiches sem os quais o indivíduo se cria alienado da vida globalizada.
Finalmente, o fato de as identidades culturais se mostrarem hoje tão à baila, reificadas ou não, não diminuiu a intolerância ou o preconceito. Apenas os tornou “não politicamente corretos”. No entanto, a “institucionalização” da discriminação continua patente no acesso restringido à educação e tecnologia da informação, por exemplo. E a atual confusão e sobreposição de antigas dicotomias como liberal/conservador, direita/esquerda, reacionário/revolucionário, bem/mal, se devem a essa imersão e diluição da ideologia nas coisas e no cotidiano do capital informatizado. Elas provocaram o rompimento de barreiras e hierarquias. Mas transformaram o ser em uma porção digitalizada amorfa que somente se recompõe nos restritos ambientes virtuais.

Narre aqui também seu primeiro porre...